As Notas

A casa da senhora de pele muito branca, de saia de lã xadrez e de perfume adocicado ficava na rua principal da cidade. Ao se chegar lá a sala já estava pronta, silenciosa, com seus móveis escuros e antigos, com os diplomas expostos e dispostos na parede e aquele aroma de passado. A senhora tinha poucos cabelos, tingidos de castanho, olhos escuros e profundos e toda a paciência do mundo. Ela tinha uma voz baixa, tranquila, que denotava calma, tolerância, compreensão e discrição. Depois dos minutos iniciais de trocas sociais ela abria seu piano alemão e retirava o feltro verde, mostrando as teclas amareladas, tocadas e trocadas por dezenas de pessoas que ela lá recebia gentilmente com seu copo de guaraná. Porém, além das minhas tentativas frustradas de querer aprender a tocar aquele instrumento dificílimo que eu sonhava desde a infância e das minhas partituras espalhadas junto ao caderno de teoria musical, o que me faz recordar dela era seu batom vermelho, que ela retocava a cada hora, a cada entrada e saída de um aluno, além do pó-de-arroz esbranquiçado.
Não sei se a desculpa para eu não ter aprendido a tocar piano foi minha absoluta falta de tempo  ou de talento, por mais que eu gostasse de música. Ainda me esforço para entender (ou aceitar) que a vida nos oferta necessidades diversas em momentos diferentes, na companhia de pessoas passageiras que gostaríamos, às vezes,  que fossem permanentes.
Hoje, ao me preparar para o trabalho, coloquei  o batom, penteei o cabelo, olhei dentro do espelho e notei que eu estava fazendo exatamente o que ela fazia comigo - preparando-se -  para ouvir, motivar e ensinar, sem esquecer da cor.
Ainda escuto música de piano. Muita. Ela me relaxa, inspira, me carrega para lugares e momentos únicos, que por vezes me confundem,  me fazendo me perder no tempo, no espaço e no meu coração.

Na 6af eu volto a existir...

Onde será...

...que fica a terra da escova redonda que tirava 'bolinhas' das roupas de lã e que se 'desmaterializou' há mais de três semanas atrás? Será que é o mesmo planeta onde está a tesoura desaparecida, junto com o pé da meia marrom que não é mais um par? Será, será, será?

'One Day' ou 'Um Dia' - Emma & Dex - July 15th


É um daqueles filmes que me deixa com vontade de ir ao cinema (também, depois de quase um ano...), mas que provavelmente irá levar quase mais um ano pra chegar aqui, sem alarde, discretinho,  e que foi lançado nos EUA apenas há duas semanas atrás. Alguns irão amar e outros odiar, é óbvio, porém tenho certeza que vou gostar, pois o enredo trata daquele casal jovem britânico (Emma – Anne Hathaway e Dex – Jim Sturgess) que se encontrou nos anos 80, em 15 de Julho,  em um feriado muito especial - St Swithin’s Day. E sim, é a mesma Anne Hathaway do ‘Casamento de Rachel’. A estória foi adaptada do romance de David Nicholls e tem a direção de Lone Scherfig.


Pelo que li, o filme é recheado de memórias dos anos disco, fitas cassetes, LPs, misturados a sentimentos, descobertas e surpresas; e lógico, o cinza ‘molhado’ londrino, que nos faz lembrar de pessoas e momentos – mesmo estando às vezes acompanhados.


Fiquei mais curiosa ao ler: ‘o que ocorre quase no final do filme, irá, provavelmente, determinar a sua opinião sobre ele’. Portanto, é só aguardar. Se alguém conseguir assistir antes, enjoy it! :) 

Google image
 

Desabafo

Bem, não é exatamente um desabafo, é uma 'chamada estratégica' para leitura, rsrs.
Descobri, no alto dos meus quarenta e tantos anos, que meu relógio biológico mudou (tá e daí?).  Daí, que se eu pudesse, iria acordar diariamente às 8 e pouco, ficaria na cama até umas 9 e pouco ouvindo as notícias no rádio, a temperatura, a previsão e depois levantaria com calma, tomaria um banho demoraaaado (não muito por não ser ecológico), teria ideias maravilhosas durante esse banho (o chuveiro sempre teve o dom de me acordar e me ocultar,  me fazer refletir e ser criativa ao tomar decisões - embora às vezes ele tenha me aconselhado errado - será?) e ficaria zanzando pela casa, bebericando meu café fraco e morno, perfumaria a casa com incenso e ouviria então muita 'celtic' music. Ai, ai... Tão bom...

'The Remains of the Day' ou 'Vestígios do Dia'


É um filme de 1993, dirigido por James Ivory e estrelado por Anthony Hopkins, Emma Thompson e James Fox - sem falar em Hugh Grant,  Christopher Reev e outros. É um dos meu filmes prediletos, que me faz descobrir coisas novas cada vez que o assisto (é necessário fazê-lo  para que se perceba a sutileza das cenas, das frases, das expressões nas faces).


‘Vestígios do Dia’ nos mostra uma fotografia linda da Inglaterra com o sol a se pôr e com a chuva que chega repentinamente no campo verde , nas estradas estreitas, nos vilarejos à beira-mar, nos ‘pubs’ com seus jogos de dardos, nas construções suntuosas, no hábito do chá, associado à trilha sonora perfeita e que nos remete àqueles momentos, num misto de nostalgia com algo que não se consegue desvendar.


Os temas políticos abordados, anteriores e posteriores à 2ª Guerra, confundem-se com os dramas pessoais, com o formalismo exagerado, o dizer impróprio ou o não dizer, a ordem, a tradição, a escolha inadequada, os tabus históricos, o mal-estar descabido proporcionado pelos pseudo-poderosos. Porém, a superficialidade ao se tentar ser o que não se é, a ocultação do sentimento - seja ele qual for -  num momento de extrema dor, indignação, perda ou amor, é o que mais toca e faz refletir.


Uma das minhas cenas favoritas encontra-se no final, quando o mordomo, Mr. Stevens (Hopkins), despede-se de Miss Kenton meio à chuva, ao ‘molhado’, característico da Grã-Bretanha.  É... - indiscutivelmente as maiores despedidas ocorrem quando está chovendo...

Bom filme!

                                                                 Imagem Google

Vou ver um filme antiguinho no sábado. Prometo!

O Medinho


Conheceu-o na internet. Até aí nada de mais. No passado sim. ‘Conheceu o cara na internet?’ ‘Hmm...’ Na época era melhor nem falar para ninguém. Imagina. Continuou usando o ‘nick’ ‘fake’ por mais um tempo. Aliás, meses. Não tinham tempo para se encontrar, melhor assim. Teria tempo para caminhar na esteira e fazer uma dieta rápida. Rápida? Três meses. Numa dessas, no decorrer desse tempo, ela iria ‘se desencantar’. Depois de um tempo  usou o e-mail verdadeiro, custou para passar o número do celular. Trocaram mais e-mails. Sem exagero. Ela não podia  demonstrar que estava interessada. No trabalho ele recebia diariamente centenas de e-mails. Mas ele procurava os dela, primeiro, sempre. O tempo era iminente. Os meses passavam. A estação do vento se aproximava. Começou a ficar com medinho.Um medinho bom. Finalmente marcaram o dia, a hora, o lugar. Colocou a blusa branca e a echarpe colorida. Maquiagem discreta. Caminhou para o bar com motivos africanos. No caminho ele ligou para dizer que estava atrasado. Maldita BR! Quando o viu, não teve certeza que era a mesma pessoa da foto. Mas reconheceu os olhos. Os olhos azuis. Ele chegou lentamente. Olhou-a de baixo à cima. Ela não conseguiu imaginar o que passara pela cabeça dele. Beberam vinho tinto (ele sempre bebia vinho tinto). Ele tocou a perna dela e segurou sua mão. Conversaram por horas, mas conheciam-se há anos. Agora ela entendia o porquê do medinho.

Não deu tempo