O Segredo do Inverno

Não sabia se era o frio, as circunstâncias ou o telefonema.
Aquela mulher sempre detestara o inverno, sempre reclamara, sempre se sentira e se dizia ‘inútil’quando chegava Junho. Ela não entendia como, pois naquele tempo crianças não questionavam (ou ao menos não externavam). E a menina saía do banho quente e corria nua frente ao vento frio da janela, feliz, enquanto lhe cobriam com uma toalha branca.

Naquela manhã – quase tarde – acordou e ligou para a amiga inimiga do frio. Ouviu sua voz distante, fatigada, triste. Pensou nas dificuldades da semana e logo as esqueceu, apenas ouvindo-a e lembrando que ela  passara por uma vida repleta de verões intensos e invernos devastadores. Enquanto a escutava vinham à mente lembranças esquecidas (aquelas que provavelmente irão passar naquele filme de frações de segundo antes da partida), dos momentos memoráveis daquela mulher que agora se mostrava frágil, débil, quase que como uma criança. Lembrava dela forte, brava e braba (às vezes até demais), perfumada, de saltos altos. Lembrava dela homenageada, respeitada, inteligente, culta, transitando num terreno onde mulheres não transitavam no passado.

Agora ela estava cansada, não queria saber de computador, Smartphone, Internet. Não gostava nem de celular; esquecia-o, não sabia abrir as mensagens, quanto mais enviá-las. Gostava de ler a ‘Zero Hora’ diariamente,  visitar as lojas de bugigangas e manter atualizada sua agenda de capa escura que continha sua vida, endereços e telefones. Contou-lhe, com pesar, que naquela semana tivera que apagar três nomes da lista de amigos que haviam se ido e que ficara olhando para os espaços em branco...

Naquele momento a menina que amava o inverno entendeu o porquê da mulher mais velha detestá-lo. Entendeu melhor as estações da vida, com seus começos e términos, e as mensagens que as despedidas carregam, sempre.

Pensou noutra amiga que mora longe, muito longe e que diz: “O problema não é o frio de sete, oito meses... É a falta do sol.”

Abriu a janela e o viu depois de quatro dias de chuva, conforme anunciara um pássaro um dia antes. É, definitivamente não poderia viver sem ele. Nunca.


                                                                   Foto (linda) de um amigo

Não deu tempo