Só quero ficar quietinha


Nunca havia pensado na frase que continuamente eu repetia e repetia, até conversar com minha mãe há alguns dias e ela me dizer que tomava notas quando me ouvia repetir: ‘eu só quero ficar quietinha’. Acho que ela começou a entender algo que nem eu mesma entendia, ou o que vinha por detrás dessa frase – talvez inaudita -  emitida por anos e centenas de vezes. Algo que foi se transformando no decorrer desse tempo, que talvez houvesse começado apenas como uma simples proteção e tivesse evoluído para um escudo poderoso a me proteger de tudo e todos, ‘24/7’, como se diz.
Essa frasezinha mágica me defendia de conversas indesejáveis nas horas inadequadas, dos chatos de plantão, dos assuntos delicados, da curiosidade alheia, da falta de limites. Talvez até a inadequada, a chata, a indelicada, a reservada, estivesse sendo eu, mas naquele minuto quem queria ‘ficar quietinha’ era SÓ eu. Mas quietinha exatamente para quê? Somente por isso. Pra não falar, contar, repetir o que não estava funcionando, mostrar a fragilidade, a falha, o desconforto, a tristeza,  muitas vezes velados sob outras coisas. E o grande problema ali residia, no desnudar-se, demonstrando a pequenez da alma, minha necessidade de entender, ser compreendida, corrigida e ao mesmo tempo manter aqueles valores de honra, respeito e dignidade. E a tendência do povo é essa (e leia-se ‘povo’ aqui como eu), ou das duas uma: enterrando-se no silêncio e melancolia, ou na agitação barulhenta do trabalho, das coisas infindáveis, do estacionamento lotado.
Penso nisso enquanto olho para a rua e vejo a Dorinha em um de seus lugares prediletos. Ela definitivamente sempre foi alguém de ideias próprias... Por alguns segundos nosso olhar se cruza e noto que ela está lá como eu, quietinha, mas completamente despreocupada. Não quer conversar; quer ouvir o bem-te-vi, quer sentir o ventinho de outubro e deixar o telefone tocar.
Após alguns minutos, entediada, levanta da floreira, sacode a terra em que se encontrava deitada e, ‘bem sim, senhora’, passa pela janela. Apenas vejo a ponta do  rabo de pontinha branca afastando-se.  É,  a Dorinha decididamente tem atitude.

Não deu tempo