Aquisição linguística ou simplesmente al-fa-be-ti-za-ção

Minha amiga voltou há 40 anos atrás. Reviu a mesma professora com seus olhos azuis (talvez fosse por isso que ela fosse fascinada por pessoas com olhos dessa cor), reviu os cartazes com as vogais e os desenhos associados a eles. Sentiu até o mesmo ‘medinho’ infantil  - que não conseguiria jamais entender aquelas letras, com aqueles sons sem sentido (afinal ela só tinha 5 anos) - e, consequentemente, juntá-los e descobrir o mundo, viajar sem fronteiras. A partir daquele momento ela ultrapassaria apenas a primeira barreira. Por fim, até hoje ela mantém um diploma de 1° lugar na turma, o que ela não recorda muito bem nem como conseguiu, pois apenas lembra de estar sentada no meio de outras crianças, parecendo ser a mais citada, ou sei lá, talvez a ‘especial’, com seu cabelo cuidadosamente penteado e seu vestido de lã azul e uma blusinha branca por debaixo, além daquela vontade imensa de sair correndo dali e brincar lá fora (talvez advenha dali sua incapacidade de ir ao cinema).

Pois bem, fora a vontade de ‘sair correndo’, desesperada, ela teve a mesma sensação de descoberta, quando conseguiu, pela primeira vez, juntar as letras daquele alfabeto estranho e formar palavras. Nossa! Seus olhos brilharam... Dentre as várias coisas que já tentara fazer, ela decidida e categoricamente entendera que não era uma pessoa com dons musicais (embora adore música e tenha uma boa voz), nem esportivos (um pavor na escola), nem manuais (embora tivesse arduamente tentado aprender a lidar com agulhas de todas as formas, tamanhos e objetivos). Ela é uma pessoa que gosta de estudar, ler, que gosta de fazer tema, de disciplina, que gosta do que os outros consideram ‘chato’.

Perguntou-se qual o sentido daquilo naquela altura da vida, além dos tradicionais ‘quando, como, onde, quanto, por quê’? Por que ter que criar dificuldade em algo consolidado (ou seria apenas mais um desafio?), e que a princípio não lhe traria nenhum benefício (aparente)? Refletiu, avaliou, concluiu. Mas até chegar a esse ponto, precisou dirigir por horas na estrada e digerir o que tudo aquilo significava.

Pensou no ‘seu’ momento de vida – que não era o de mais ninguém, pois todos possuem os ‘seus’ momentos de vida, e ninguém vive o do outro. Pensou no prazer do desvelar, na geografia e na história; pensou na satisfação pueril de identificar os símbolos, de desenhá-los, de pronunciá-los.

Cada um, no seu processo de aquisição ou de (re)alfabetização, irá se deparar, após algum tempo, com ‘seus’ fantasmas no armário. E cada um irá procurar, a seu modo, enfrentar esses fantasmas como melhor imagina (ou como imagina melhor). Uns aprendem uma nova língua, outros aprendem a tocar um instrumento, outros buscam livros, ciências, religiões; uns buscam a pintura, outros, a dança.Uns buscam através de si, outros por meio de outros. Alguns ainda não buscam.

Isso importa? De jeito nenhum. Afinal, a aquisição é improrrogável. E, por mais que queiramos procrastiná-la, ela impreterivelmente virá a nós, de forma suave, para preencher as lacunas que se encontram sem respostas.






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