Os Fantasmas

A sineta de cobre tocou anunciando o fim da aula. As crianças saíram correndo com seus guarda-pós brancos, laços de fitas nos cabelos e gravatinhas de cor marinho com o nome do Grupo Escolar. Todos queriam ir embora, almoçar, brincar, atravessar o pátio empoeirado.

A menininha de cabelo preto também queria isso. Mas não correu. Arrumou seus cadernos calmamente. Detestava fazer as coisas com pressa. Quando chegou à frente da escola a maioria dos colegas já havia partido. Encostou-se no portão  enferrujado e ficou esperando por seu pai. Esperou, esperou, esperou e esperou.

A adolescente de cabelos encaracolados destacava-se de suas colegas pelas roupas extremamente simples. Enquanto ela calçava alpargatas baratas e saia de brim ‘coringa’, suas amigas usavam sapatos de couro de boa qualidade e saia de tergal cuidadosamente passado. Amigas? Hmm. Mais ou menos. Se o fossem, não iriam se utilizar disso para mostrar sua superioridade. E ela ouvia aqueles comentários em silêncio.

O rapazinho de pele branca perambulava solitário na hora do recreio. Não sabia onde colocar as mãos, era desengonçado, evitava olhar nos olhos dos outros, era grande demais. Não queria ser visto, já se distinguia por sua compleição natural.

Após anos, a menininha morena havia se tornado uma mulher que se vestia bem, transitava por todos os ambientes com segurança e naturalidade, que ainda detestava fazer tudo com pressa, mas que temia secretamente ser ‘esquecida’ junto ao portão, a esperar.

A mulher de poucos amigos tornara-se solitária por opção. Evitava a companhia daqueles que a procuravam; era agressiva, ríspida, olhava nos olhos do outro e não tinha receio que a ‘deixassem’. Pouco lhe importava sua aparência, mas insistia em manifestar-se elevada, autoritária, firme.

O homem elegante e alto era sempre visto. Não temia portões, relacionava-se socialmente, com seus olhos meigos e profundos, que não mais temiam o contato visual. Seus pensamentos continuavam a vagar desordenada e misantropicamente e suas mãos...

Finalmente os fantasmas haviam crescido. Infelizmente.

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