'Troca de Estação'

A janela do mezanino bateu com força, como fazia todo outubro e novembro, com o vento que vinha empoeirado, do leste, no fim da tarde. O som  do vento carregava memórias de anos; do cachorro fiel que ouvira segredos, do grito estridente do gavião que ela ouvia nos domingos à tarde, trazendo presságios; do fim do dia  tendo consigo alegrias,  surpresas e mistério.

Era hora de trocar as roupas de lugar; de guardar as de inverno e separar as de verão. Mais uma vez ela teria que se confrontar com as lembranças, as cores e  dissabores
de uma estação que se fora e que ela não gostaria de recordar.

Deixou as sacolas atiradas no chão do quarto por semanas, na esperança que o frio não se fosse e que não precisasse arrumar o guarda-roupas. Impossível. Iniciou aos poucos, classificando as roupas sobre a cama, lembrando de lugares, momentos,  palavras.

O tempo corria, implacável. Descascava a tinta da janela, levava embora pessoas, marcando-as por dentro e por fora. Tirava produtos da prateleira do mercado, fechava lojas.

O verão se aproximava. A partir de agora teria que ser mais atenta com as flores nos vasos e com a água na banheira dos pássaros. Os dias infindáveis se aproximavam, obrigando-a a levantar mais cedo e a vestir  a ‘face de verão’.

O que essa nova estação lhe reservaria? 


Simplesmente aguardaria, mais uma vez, a passagem,  a transformação e os dias escaldantes, já que essa não era uma alternativa de múltipla escolha.

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