Sem Sentidos.

O vento bateu em mim. Rápido, gelado. Veio acompanhado de um perfume. Lembrei da minha vó. Sabe aquele ‘cheirinho’ de vó? Esse mesmo. Aquele misto de talco, de creme para a pele? Mas o fascinante é que ele veio acompanhado de abraço, de calor, de aconchego, de toque, texturas, cores. E junto vem a imagem, cenas, ‘flashes’, sorrisos, gestos, lugares, olhares.

O curioso é dizerem que o olfato é considerado o mais antigo dos sentidos - não sei se é verdade; mas recordo daqueles filmes antigos, de homens primitivos nas cavernas, literalmente ‘cheirando’ o lugar. O cheiro nos transporta no espaço e no tempo, e, é tão automático, que por frações de segundo, nos encontramos ao lado de alguém, naquele lugar, naquele momento. Evidente, associado com outros sentidos, que foram marcantes à ocasião e que podem (e provavelmente irão) eternizar aquela hora.

Agora a voz... Um dia alguém me disse que ela é uma das primeiras coisas que esquecemos quando alguém morre. Ela está ‘lá dentro’, mas ecoa. Talvez nem seja a voz em si, talvez seja o dizer o nome, a forma de dizer o ‘alô’, o responder. E, mesmo que se grave, ela se perde, pois a reprodução do som não é a voz de alguém. Quando ouço minha voz não parece eu. Parece outra pessoa. Pois é, é a mesma coisa. Contudo, uma música me faz viajar no tempo, me conduz, bem como o canto de um pássaro, que me coloca no início de uma manhã, antes dos primeiros raios de sol, num daqueles instantes inesquecíveis da vida.

O tato também é complicado; é instantâneo. Acho que tem prazo de validade de segundos, não é ‘ armazenável’, a menos que se repita por uma vida, como o sopro do vento. É impossível ‘guardar’o gosto de um beijo, manter o toque das mãos entrelaçadas, o calor de um abraço. Sentir tudo isso, preservar num cofre e jogar a chave num lugar desconhecido e não sabido, é impraticável.

Por que? Porque simplesmente percebemos com o corpo e sentimos com o coração - esse ‘alguém’ que nos prega peças, envia mensagens truncadas para o cérebro e nos faz sentir frio no estômago, tremer ou suar nas mãos, que nos faz rir quando não é engraçado e chorar quando não queremos. Ele dói, fica ‘apertado’, bate descontrolado, parece doido.

Ele, associado aos olhos, ouvidos, nariz, à pele e à boca, nos faz sentir nosso corpo. Ele, associado ao nosso interior, nos faz sentir almas.

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