Ela sempre
gostara de vinho, e, à medida que o tempo passou, aprendeu a gostar mais. Tinto,
bom, de boa safra e boa qualidade. Quando o conheceu apreciavam cozinhar e
bebê-lo ao preparar o jantar, ao jantar e depois, quando conversavam por horas
falando de seus gostos e desgostos.
Ela era
chata, preferia o mesmo tipo de uva, da mesma origem, do vinho caro, da garrafa
bonita.
Um dia foram
viajar pela serra gaúcha e ele sugeriu pararem em uma cidadezinha para
comprarem vinho colonial. Ela não gostou muito da ideia, mas, para agradá-lo,
compraram o tal do vinho e ela o levou para casa. Definitivamente não era seu
predileto, mas ela gostava DELE e do que ELE gostava.
O tempo passou e ele se foi por muitos anos e para sempre. Ela continuou a beber o que estava habituada, o vinho seco, da vinícola conhecida,
de gosto quase amargo e de preço salgado.
Uma ocasião,
10 anos depois, ganhou de presente um vinho semelhante àquele e o guardou. Era cheio
de cuidados, deveria ser guardado na geladeira (?), ser bebido aos poucos,
deveria...nossa, quantas recomendações. Pensou, o que vou fazer com ele? Gente,
não é o que gosto, não é minha praia, acho que vou doar, fazer sagu, sei lá.
Ficou na porta da geladeira por semanas. Putz, acho que vai estragar.
Uma noite
chegou em casa, bebeu apenas um cálice do vinho costumeiro e lembrou daquele
guardado. Vou experimentar. Pegou a garrafa pet, sem glamour, e o serviu no
cálice amarelo, grande, chique.
Ao levar o
cálice aos lábios sentiu seu cheiro, olhou sua cor, consistência, sabor
e...voltou. Voltou para a loja pipa, para
o dia, para a cidadezinha, para as mãos dadas, para os olhos azuis, para a
viagem lenta e para o que tocava no rádio e para tudo que ele sempre significou (e continuaria a significar pra sempre) a ela.
Tarde
demais, rendeu-se ao vinho e a seus encantos. Iria tornar-se cliente do produtor artesanal.